terça-feira, 14 de julho de 2015

#review05 - "Memória da Água", de Emmi Itäranta

Água e Morte: de mãos dadas


Sinopse: Num futuro distante, depois de muitas guerras, a Europa foi dominada pela China, e o bem mais precioso dos tempos antigos se tornou tão escasso quanto a liberdade. A água passou a ser controlada e distribuída em cotas pelos militares. Noria é filha de um mestre do chá, uma profissão muito antiga que tem conhecimento sobre a localização das nascentes de água. Ela está sendo treinada para substituir o pai, e dentre todos os ensinamentos, ele revela à filha seu maior segredo: uma fonte natural escondida que fornece água para a família. Desamparada em um mundo destruído, ela começa a questionar o significado de tamanho privilégio. Guardar esse segredo é negar ajuda ao restante de população, e ajudá-los é colocar em risco a própria vida: os militares punem severamente quem for descoberto desfrutando de alguma fonte ilegal de água. Como o pai a ensinou, é preciso ter sabedoria para compreender o verdadeiro poder da água. Mas Noria também aprendeu que a sabedoria representa, acima de tudo, o poder de decidir seu próprio destino, a escolha entre lutar e se entregar.

A autora: Emmi Itäranta é mestre em drama e em escrita coletiva. Envolveu-se em uma mistura eclética de atividades literárias: já foi dramaturga, colunista e crítica de teatro. Escreve ficção em finlandês e em inglês, e atualmente trabalha em seu segundo romance. Memória da Água ganhou diversos prêmios e foi finalista do Philip K. Dick Award.

Resenha:
Muitos dizem que é impossível prever o futuro, que ele pertence a Deus e que não existe nada que possa mostrá-lo a nós, meros mortais. Apesar disso, unindo imaginário e realidade, somos capazes de fazer suposições a respeito desse tempo que virá. Foi isso que, em Memória da Água, Emmi Itäranta comprovou.
A distopia, narrada por Noria Kaitio, se passa num futuro um tanto distante, em que os oceanos ─ aumentando por conta do derretimento das geleiras causado pelo aquecimento global ─, devastaram continentes inteiros, mataram milhares de pessoas e esgotaram muitas fontes de água potável. Um tempo em que a China dominou a Europa, tomando qualquer território e reservatório de água que pudesse tomar.
Noria era filha de um mestre de chá ─ ícone da cultura chinesa; é como um sacerdote que guia as cerimônias de chá para seus convidados ─, a única e provável sucessora do mestre Kaitio. Na história, ela seria uma espécie incomum de mestre do chá, simplesmente por ser mulher ─ que eu já achei algo bem proveitoso da parte da autora. Sua família guardava um segredo que poderia mudar a vida de muitas pessoas, e que, como para todos os outros mestres que antecederam ela e seu pai, seria passado para ela: a família Kaitio era responsável por uma nascente secreta de água, desde muito tempo.
Sua mãe, Lian Kaitio, recebe uma proposta de trabalho em uma cidade distante, o que a impossibilita de ficar com a família. À Noria é ofertada a opção de escolha: ou ficaria em seu vilarejo e seguiria com o aprendizado e, em breve, formatura, para mestre do chá ou iria com a mãe para Xinjing, estudaria e se formaria em qualquer outra coisa. Depois de um dilema tortuoso, ela decide ficar com o pai e formar-se, porém, com outros objetivos.
Noria e sua amiga, Sanja, descobrem tecnologias do então chamado “mundo antigo” ─ que seria o que vivemos hoje ─, como fitas TDK, CDs e um aparelho de som que reproduzia as duas mídias. E ainda tinha as VHSs, mas não serviram de nada. Na parte em que Sanja conserta o aparelho, a autora descreve exatamente como usar e, eu juro, me peguei lendo um manual de instruções.
Mas esse é, também, o momento em que elas descobrem que estão tão perto de uma descoberta como jamais saberiam se não fossem curiosas a ponto de ouvir os CDs encontrados ─ relatos de uma “expedição Jansson” em busca das “Terras Perdidas”, onde, supostamente, haveria água consumível.
Confesso que, em alguns momentos, cochilei lendo. Por ser uma história lenta, em que a personagem se vê, muitas vezes, dividida entre contar a verdade e prosseguir omitindo-a, acaba se tornando bem cansativa. Porém, como pontos positivos, posso, com certeza, destacar: conteúdo filosófico ─ quem nos acompanha nas redes sociais pode ver quantos quotes postamos e vamos continuar postando do livro ─ e temática abordada.
Em Memória da Água, publicado pela Galera Record no Brasil em 2015, qualquer pessoa que tivesse um encanamento clandestino, uma fonte de água ou uma nascente, como os Kaitio, e fosse descoberto pelos guardas da água, receberia um peculiar círculo azul ─ que eu percebi, mais tarde, ser o da capa do livro ─ na porta de casa, que indica que um membro daquela família cometeu um crime de água e está condenado a um sofrimento que só saberá quem ler o livro.
Apesar do cenário brevemente oriental, consegui associar o livro ao filme brasileiro Acquaria (2003), estrelado pela dupla Sandy & Junior, que relatava um futuro em que a água era escassa, quase extinta. O mesmo tempo de Noria Kaitio. O mesmo tempo em que podemos viver e morrer pela água, séculos à frente. Ou anos. Ou dias.
O livro ensina que “a morte é amiga próxima da água”. Que nós, sem água, somos apenas pó; somos terra. A essência da vida humana é esse líquido, essa mistura química natural que, a cada dia que passa, some em proporções surpreendentes do nosso mundo, de nós.

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