quinta-feira, 30 de julho de 2015

#review07 - "Espíritos de Gelo", de Raphael Draccon

Um homem e as dores da memória

Sinopse: Um homem acorda acorrentado numa sala de tortura sem se lembrar de nada.
Um baixinho com uma camiseta do Black Sabbath o interroga, enquanto os capangas - "dois sujeitos vestidos com roupas de couro apertadas, compradas em algum sex shop de baixa qualidade para simular o mais próximo possível de um clube sadomasoquista" - o auxiliam. Eles querem que o homem conte o que aconteceu - detalhadamente - antes de chegar até ali. Querem que ele explique como foi parar dentro de uma banheira cheia de gelo.
O problema é que seu inconsciente está bloqueando essas informações por causa de um trauma.
Numa narrativa emocionante e misteriosa, Raphael Draccon conduz o leitor ao universo desse homem acorrentado pelos próprios erros e dramas. Sexo, magia e vingança se misturam para criar uma trama surpreendente. 


Nunca havia lido nada do Raphael Draccon, e olha que tenho todos os livros dele ─ autografados, ainda por cima. Mas são tantos livros para ler, discutir com alguém, alguns presentes, algumas indicações... Você acaba ficando cheio de prioridades, e, a quem deveria realmente priorizar, a quem mais admira, você acaba deixando um pouco de lado. Da próxima vez que encontrá-lo, pedirei desculpas pessoalmente.
E outra: nem sabia por qual livro começar. Perguntava a um e outro fã em comum e sempre me indicavam ou Fios de Prata ou Espíritos de Gelo. Daí, escolhendo a meta de férias, pensei: “Ah! Vamos pelo mais fininho”. Lembrete: nunca julgue um livro pelo número de páginas.
176 páginas podem fazer você suar [de tensão] até a última gota.
Espíritos de Gelo é um livro à parte do que Raphael escreve ─ Fantasia ─, e não se engane achando que, por não ser algo com que o autor está acostumado a trabalhar, uma obra de outro gênero não seja tão boa quanto as outras ─ o que não posso mesmo afirmar enquanto não ler os outros livros dele.
No livro, publicado pela editora LeYa em 2013, um homem está sendo torturado para se lembrar de cada momento desde que teve a ideia de se matar [pulando de uma ponte] interrompida por uma mulher misteriosa que mudaria sua vida. Mariana Slaviero acabou mostrando àquele homem ─ cujo nome juro não me recordar se foi citado ─, mesmo depois de ele ter perdido o pai e a empresa que herdara, que ele poderia ter tudo o que mais desejasse, incluindo paz e tranquilidade, sem temer qualquer ameaça do destino.
Porém, o destino não costuma esquecer as ameaças que faz. Ele as guarda sob sete portas com sete cadeados, cada. E há sete chaves para cada um dos cadeados. O destino lembra-se melhor do que está sendo protegido do que de cada chave de cada fechadura de cada cadeado, e tudo isso representa a lerdeza que memória humana tem para chegar aos motivos que explicavam o fato de se estar acorrentado, sendo torturado, sangrando, sem um rim e agonizando coisas que ninguém compreenderia se tivesse acontecido de verdade.

E talvez tenha mesmo acontecido. Será? Afinal, em que país não existem seitas que cultuam sabe-se lá o que, onde vários ricaços se reúnem para fazer coisas que vão além do pudor ou da razão ou dos dois? Em que país os “interrogatórios violentos” para conseguir informações valiosas deixaram de existir? Em que país, mesmo com toda a educação e o dinheiro, com tudo de bom e melhor, o filho de algum milionário não cometeria as mesmas besteiras que esse cara fez?
Pode não ter acontecido, mas, na ficção, uma mentira é uma verdade moldada para parecer surreal.
Além de toda essa loucura envolvida na trama, Raphael ainda fez, não uma nem duas, mas umas quinhentas ou mais referências a tudo o que você puder imaginar ─ desde o que sua mãe disse quando você nasceu até o que uma mulher diz a você em um motel; desde uma produção cinematográfica nacional, até uma internacional. Traduzindo: é contada a criação e o fim do mundo, que nunca foram completamente comprovadas, em termos de cinema, rock e até religiões ocultas.
O mais importante de tudo: isso jamais confundiria a cabeça de um bom leitor.
Creio que, só essas poucas ─ ah, nem tão poucas assim, né? ─ páginas foram suficientes para fazer crescer em mim uma nova paixão por uma nova escrita. Aliás, se eu tivesse realmente pego Espíritos de Gelo ou qualquer outro livro do Raphael Draccon antes, teria ficado completamente fissurado da mesma maneira.
Sou um admirador do trabalho dele e da Carolina Munhóz, sua esposa, claro! Os dois, por um incentivo não completamente consciente, me fizeram embarcar nesse mundo amável e louco que é a literatura. E justamente pro serem brasileiros, me mostraram a esperança nos livros nacionais e como eu devia apreciá-los.
O que posso fazer agora é agradecer aos dois e indicar, sem sombra de dúvida, um maravilhoso livro do Rei Dragão: Espíritos de Gelo!

O autor: Raphael Draccon é roteirista profissional e autor de literatura fantástica contemporânea, ficção de horror e romances sobrenaturais.
É o autor mais jovem a assinar com os braços nacionais de duas das maiores holdings editoriais do mundo, e roteirista premiado pela American Screenwriter Association.

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