Um
bar no centro da cidade. Uma mulher alta, branca e de cabelos negros presos em
um coque, tomava um Martini Rosato numa daquelas taças que parecem um cone
achatado. Usava um vestido vermelho, unhas pintadas de um rubro forte e o batom
mais escuro e misterioso da noite, deixando-se parecer uma dançarina de tango
abandonada, mas nada melancólica. Se chamava Carina.
Ela presenciou tudo.
Um casal chegou ao bar e acomodou-se em uma mesa como as
outras pessoas. Após dar um beijo leve no rosto da namorada, o rapaz
levantou-se e foi até o balcão com a desculpa de pegar algo para beber. Que
nada.
─ Olá, moça ─ falou, certificando-se de que a namorada
estava ocupada retocando a maquiagem ou tirando algumas selfies. ─ Tudo bem?
Carina tomou um gole do Martini. Ela virou-se para ele e
sorriu. Apenas. E voltou à posição anterior.
─ Hmm... ─ murmurou o rapaz, alisando a barba mal-feita.
─ Garota misteriosa, não é? Tome meu telefone ─ disse, anotando rapidamente os
números num dos blocos de papel branco dispostos pelo balcão de granito. ─ Me
chamo Rafael. Me mande uma mensagem, depois... Garçom! ─ chamou.
O garçom deixou o copo que enxugava na pia e caminhou,
por dentro do balcão, na direção de Rafael.
─ Pois não, senhor?
─ Boa noite. Traga-me duas cervejas bem geladas para aquela mesa, certo? ─ disse, apontando para a
namorada, que já sorria para ele.
─ Anotado. Um instante.
─ Obrigado ─ agradeceu, e o garçom saiu.
Rafael sorriu para Carina de relance e voltou para mesa.
Pouco depois, outro casal chega ao bar, se acomoda numa
mesa do lado oposto à mesa de Rafael. Júlia, sua namorada, já fica logo
nervosa.
─ O que houve, amor? ─ o rapaz perguntou.
─ Nada... ─ ela mentiu.
Na verdade, o rapaz do casal que chegou depois deles
havia feito algo que marcara o psicológico de Júlia de maneira assombrosa, algo
que ela nunca teve coragem de contar a ninguém. Ela era o tipo de garota que
guardava aquela mágoa por tanto tempo, que ainda chorava escondida nos cantos,
que ainda achava que corria perigo. E quando ela viu os dois chegarem, percebeu
que já não era mais só ela que corria perigo.
─ Como nada,
Ju? ─ contestou Rafael, incomodado. ─ Você sabe que eu percebo tudo... Me fala,
bebê... ─ nisso, ele já pegava a mão trêmula da garota.
De olhos fechados e coração acelerado, ela deu um suspiro
e falou:
─ Aquele cara que chegou com aquela moça... Ele... Ele me
estuprou.
Rafael gelou.
─ O QUÊ?!?! ─ ele gritou alto.
Nem esperou a namorada se explicar, levantou-se e foi em
direção ao recém-chegado casal. O garçom já vinha saindo do balcão e viu o que
aconteceu: Rafael agarrando o estuprador pelo pescoço, arrancando-o da cadeira
e o jogando no chão do bar.
Depois de quase trinta segundos esmurrando o rosto do até
então desconhecido, Rafael pegou a cadeira mais próxima e quebrou no peito do
outro rapaz, que estava deitado de costas para o chão, já sangrando.
As duas garotas ─ Júlia e a namorada do suposto
estuprador ─ estavam pasmas. Era como se dentro de Rafael houvesse um vulcão
adormecido com uma alavanca que, se acionada, o faria jorrar tanta lava que
seria capaz de cobrir todo um continente.